Hoje vamos conversar um pouco sobre um assunto que todo médico vai pegar pelo menos uma vez na vida: Diarreia.
Por isso é importante aprender/relembrar alguns aspectos. Então vamos começar com um casinho!
Menino de 8 anos, acompanhado de sua mãe, chega ao consultório com queixa de diarreia. Mãe alega que o quadro teve início há um dia, com fezes aquosas volumosas, com odor habitual, 6 evacuações até o momento. Associa o quadro à ingestão de bolo de chocolate, pois o pai, que também o ingeriu, vem apresentando sintomas semelhantes. Nega sangue ou presença de restos alimentares nas fezes, não soube informar sobre muco e pus. Nega também ardor quando defeca. Mãe relata que a criança está com apetite diminuído e um episódio de vômito, mostrando-se por isso bastante preocupada. Nega alteração em diurese, nega febre e não apresenta outras manifestações clínicas. Nega uso de medicamentos. Nega episódios anteriores de diarreia e comorbidades.
1) Primeiro aspecto importante a ser observado: Esse menino apresenta diarreia?
A. Sim
Diarreia é definida como alteração do hábito intestinal por diminuição da consistência das fezes e aumento da frequência e do volume de evacuações. Lembrando que o hábito intestinal normal define-se por evacuações de 1 a 3 vezes por dia ou até uma evacuação a cada 2-3 dias. Esse garoto está defecando fezes amolecidas e muitas vezes por dia, logo ele está com diarreia!
B. Claro que sim
Diarreia é definida como alteração do hábito intestinal por diminuição da consistência das fezes e aumento da frequência e do volume de evacuações. Lembrando que o hábito intestinal normal define-se por evacuações de 1 a 3 vezes por dia ou até uma evacuação a cada 2-3 dias. Esse garoto está defecando fezes amolecidas e muitas vezes por dia, logo ele está com diarreia!
2) Essa diarreia é:
A. Aguda
Isso mesmo! A diarreia aguda dura até 30 dias. Crônica dura mais de 30 dias. Esses aspectos são de extrema relevância, visto que isso auxilia na descoberta da causa.
B. Crônica
Errou, a priori é uma diarreia aguda, pois a diarreia aguda dura até 30 dias. Crônica dura mais de 30 dias. Esses aspectos são de extrema relevância, visto que isso auxilia na descoberta da causa.
3) Qual o provável mecanismo fisiopatológico dessa diarreia?
A. Secretora
Muito bom! A diarreia SECRETORA ocorre devido a uma grande secreção de líquido pelo enterócito, na maioria das vezes se deve a microorganismos que desregulam o balanço entre absorção e secreção de líquido. Nesse tipo de diarreia as fezes são aquosas, possuem grande volume e a diarreia não cessa com o jejum, como a do garoto.
A diarreia OSMÓTICA cessa ao jejum, visto que sua fisiopatologia se deve a agentes hiperosmolares, como dissacarídeos e sais de magnésio, que estimulam a passagem de líquido das células parietais para o lúmen intestinal. Esse tipo de diarreia ocorre em pacientes com intolerância à lactose, pois a deficiência da lactase faz com que a lactose fique presente no lúmen intestinal, proporcionando assim a diarreia. Nesse tipo há intensa cólica abdominal em consequência dos gases e as fezes são ácidas, isso ocorre devido a fermentação pela flora intestinal. Outra observação importante é que alguns antibióticos podem reduzir a flora intestinal, logo diminuem a capacidade de catabolização de carboidratos que não foram absorvidos. Por isso a importância de perguntar sobre uso de medicamentos recente.
A diarreia MOTORA caracteriza-se com um trânsito intestinal acelerado devido a um aumento de peristaltismo ou diminuição de área absortiva (ressecções funcionais). Um exemplo importante a ser dado é a diarreia diabética.
A diarreia EXSUDATIVA/INFLAMATÓRIA ocorre quando há lesão da mucosa intestinal devido a uma resposta inflamatória e com isso a presença de muco, pus e sangue, gerando o quadro chamado de disenteria, com aumento da motilidade intestinal e no volume das fezes. Essa lesão pode ser devido a agentes infecciosos ou não infecciosos, como ocorre nas doenças inflamatórias intestinais. Pode haver febre.
A diarreia DISABSORTIVA, como o próprio nome indica, se deve a dificuldade do intestino delgado em absorver nutrientes, devido a deficiências no processo de digestão ou lesão nas células parietais. Esse tipo de diarreia é um misto entre a diarreia secretória e a osmótica. Primeiro: o excesso de ácido graxo é hidroxilado pelas bactérias da flora intestinal, essa substância estimula a secreção de líquido. Segundo: os carboidratos levam a diarreia osmótica. Isso gera a famosa esteatorreia (fezes que boiam de aspecto brilhante), com restos alimentares e odor muito fétido. Exemplos disso é a diarreia que ocorre na pancreatite crônica.
B. Osmótica
Ixi, a resposta é Secretória.
Justificativa na alternativa A
C. Motora
Ixi, a resposta é Secretória.
Justificativa na alternativa A
D. Exsudativa/Inflamatória
Ixi, a resposta é Secretória.
Justificativa na alternativa A
E. Disabsortiva
Ixi, a resposta é Secretória.
Justificativa na alternativa A
4) Qual é a origem dessa diarreia?
A. Alta: Intestino Delgado
Good, good! A diarreia no intestino delgado é, geralmente, do tipo secretória, sendo bastante volumosa, o que dificulta o cólon absorver todo esse excesso de líquido.
A diarreia de origem no intestino grosso é do tipo inflamatória. Além disso, é menos volumosa e associada ao tenesmo (desejo constante de evacuar).
B. Baixa: Intestino grosso
Bad, bad.
A diarreia no intestino delgado é, geralmente, do tipo secretória, sendo bastante volumosa, o que dificulta o cólon absorver todo esse excesso de líquido.
A diarreia de origem no intestino grosso é do tipo inflamatória. Além disso, é menos volumosa e associada ao tenesmo (desejo constante de evacuar).
5) Qual dos achados abaixo é o mais importante a ser buscado pelo médico no caso de diarreia?
A. Presença de massas ou visceromegalias.
Não colega, o mais importante diante de um quadro de diarreia é avaliar a desidratação, que é a principal complicação causada por ela. É importante ficar muito atento a sinais de desidratação: boca seca, sede, oligúria, pele e mucosa desidratadas.
Outros aspectos importantes são febre alta, taquipneia, hipotensão, pulsos rápidos e finos, indicando desidratação grave.
Caso o médico encontre os demais sinais citados nas outras alternativas, é importante que ele pense em outras enfermidades abdominais.
B. Dor localizada a palpação.
Não colega, o mais importante diante de um quadro de diarreia é avaliar a desidratação, que é a principal complicação causada por ela. É importante ficar muito atento a sinais de desidratação: boca seca, sede, oligúria, pele e mucosa desidratadas.
Outros aspectos importantes são febre alta, taquipneia, hipotensão, pulsos rápidos e finos, indicando desidratação grave.
Caso o médico encontre os demais sinais citados nas outras alternativas, é importante que ele pense em outras enfermidades abdominais.
C. Sinais de irritação peritoneal.
Não colega, o mais importante diante de um quadro de diarreia é avaliar a desidratação, que é a principal complicação causada por ela. É importante ficar muito atento a sinais de desidratação: boca seca, sede, oligúria, pele e mucosa desidratadas.
Outros aspectos importantes são febre alta, taquipneia, hipotensão, pulsos rápidos e finos, indicando desidratação grave.
Caso o médico encontre os demais sinais citados nas outras alternativas, é importante que ele pense em outras enfermidades abdominais.
D. Sinais de desidratação.
Isso mesmo! O mais importante diante de um quadro de diarreia é avaliar a desidratação, que é a principal complicação causada por ela. É importante ficar muito atento a sinais de desidratação: boca seca, sede, oligúria, pele e mucosa desidratadas.
Outros aspectos importantes são febre alta, taquipneia, hipotensão, pulsos rápidos e finos, indicando desidratação grave.
Caso o médico encontre os demais sinais citados nas outras alternativas, é importante que ele pense em outras enfermidades abdominais.
6) Exame físico do garoto: Bom estado geral, ativo, corado, desidratado +/4+, anictérico, acianótico. Temperatura axilar: 37ºC. FR: 14rpm, MVF sem ruídos adventícios. PA: 120x80mmHg, FC: 80bpm, pulsos radiais cheios e simétricos. RCR 2T sem sopros, RHA hiperativos, dor leve e difusa a palpação profunda, ausência de massas e visceromegalias, percussão timpânica. Então a mãe pergunta para você: o que causou a diarreia no meu menino?
A. Gastroenterite por Intoxicação Alimentar.
Não é essa a resposta.
O mais provável é que seja uma gastroenterite viral. Isso porque na história clínica não houve relato de febre e nem estado toxêmico intenso, afastando a gastroenterite bacteriana (embora na viral possa ocorrer febre). Na gastroenterite por intoxicação alimentar observa-se que os episódios decorrem após a ingesta de alimentos contaminados com toxinas, bactérias, fungos e vírus, o que se assemelha a história contada, porém a diarreia por intoxicação alimentar costuma ser do tipo disabsortiva e explosiva, o que gera ardor ao defecar e presença de restos alimentares, o que foi negado na história do paciente. Por isso, a melhor resposta é o tipo de diarreia mais comum encontrada: gastroenterite viral, que provavelmente acometeu também o pai do garoto.
B. Gastroenterite viral.
Acertou!
O mais provável é que seja uma gastroenterite viral. Isso porque na história clínica não houve relato de febre e nem estado toxêmico intenso, afastando a gastroenterite bacteriana (embora na viral possa ocorrer febre). Na gastroenterite por intoxicação alimentar observa-se que os episódios decorrem após a ingesta de alimentos contaminados com toxinas, bactérias, fungos e vírus, o que se assemelha a história contada, porém a diarreia por intoxicação alimentar costuma ser do tipo disabsortiva e explosiva, o que gera ardor ao defecar e presença de restos alimentares, o que foi negado na história do paciente. Por isso, a melhor resposta é o tipo de diarreia mais comum encontrada: gastroenterite viral, que provavelmente acometeu também o pai do garoto.
C. Gastroenterite Bacteriana.
Não é essa a resposta.
O mais provável é que seja uma gastroenterite viral. Isso porque na história clínica não houve relato de febre e nem estado toxêmico intenso, afastando a gastroenterite bacteriana (embora na viral possa ocorrer febre). Na gastroenterite por intoxicação alimentar observa-se que os episódios decorrem após a ingesta de alimentos contaminados com toxinas, bactérias, fungos e vírus, o que se assemelha a história contada, porém a diarreia por intoxicação alimentar costuma ser do tipo disabsortiva e explosiva, o que gera ardor ao defecar e presença de restos alimentares, o que foi negado na história do paciente. Por isso, a melhor resposta é o tipo de diarreia mais comum encontrada: gastroenterite viral, que provavelmente acometeu também o pai do garoto.
7) “Então você vai pedir exame doutor?” - Pergunta a mãe preocupada.
A. Sim
Não precisa de exame complementar. As diarreias agudas tendem a ser auto-limitadas e sem repercussões clínicas. Exames complementares são indicados naqueles com diarreia crônica ou em estado grave/moderado, o que no exame físico apresentará sinais de toxemia ou de desidratação intensa. Dentre os exames complementares destacam-se o hemograma, função renal e eletrólitos, EPF, coprocultura.
B. Não
Certa resposta!
Não precisa de exame complementar. As diarreias agudas tendem a ser auto-limitadas e sem repercussões clínicas. Exames complementares são indicados naqueles com diarreia crônica ou em estado grave/moderado, o que no exame físico apresentará sinais de toxemia ou de desidratação intensa. Dentre os exames complementares destacam-se o hemograma, função renal e eletrólitos, EPF, coprocultura.
8) Qual é o tratamento para esse menino?
A. Solução de Reidratação Oral e/ou Soro caseiro + probiótico
Exatamente isso! O caso desse garoto caracteriza-se como diarreia leve, dessa forma o tratamento básico para ele é a hidratação. O uso de probióticos pode ser indicado, apesar de ter haver grande divergência sobre sua eficácia na literatura. O caso dele não possui indicação de antibiótico, visto que o provável agente é viral.
B. Solução de Reidratação Oral e/ou Soro caseiro + probiótico + antibiótico
Não há necessidade de antibiótico
O caso desse garoto caracteriza-se como diarreia leve, dessa forma o tratamento básico para ele é a hidratação. O uso de probióticos pode ser indicado, apesar de ter haver grande divergência sobre sua eficácia na literatura. O caso dele não possui indicação de antibiótico, visto que o provável agente é viral.
9) A mãe te questiona: “Mas não vai passar nem um remédio para ele doutor?”
A. Você resolve voltar atrás e prescrever um antibiótico para ele.
Essa resposta está equivocada.
Antibiótico nesse caso NÃO está indicado, como já foi discutido!
B. Você relembra que ele estava apresentando vômito e resolve receitar um anti-emético.
Essa resposta está equivocada.
O uso de anti-eméticos é desnecessário nesse caso, visto que os vômitos tendem a cessar assim que ocorrer a hidratação.
C. Você se lembra de um artigo muito bom de pediatria e resolve prescrever um antidiarreico: Racecadotrila.
Muito bem!
A Racecadotrila inibe as encefalinases impedindo a degradação das encefalinas, estas diminuem a secreção de água e de eletrólitos intestinal. Dessa forma, ela não atua diminuindo a motilidade intestinal como acontece com a Loperamida. A diminuição da peristalse, embora diminua a quantidade de evacuações, não modifica a perda hidroeletrolítica e nem a atividade secretória, além disso, pode agravar quadros com grande toxemia, consequentemente é menos indicado que a Racecadotrila.
Antibiótico nesse caso NÃO está indicado, como já foi discutido!
O uso de anti-eméticos é desnecessário nesse caso, visto que os vômitos tendem a cessar assim que ocorrer a hidratação.
D. Você lembra das ações do Imosec (Loperamida) na diarreia e resolve receitar para o garoto.
Essa resposta está equivocada.
A Loperamida atua diminuindo a motilidade intestinal. A diminuição da peristalse, embora diminua a quantidade de evacuações, não modifica a perda hidroeletrolítica e nem a atividade secretória, além disso, pode agravar quadros com grande toxemia
10) O menino então diz para a mãe que está com sede e diz que quer tomar refrigerante. Você então lembra de fazer algumas orientações a eles. Qual das orientações abaixo está equivocada?
A. Durante esse período de diarreia deve-se evitar refrigerante e alimentos muito adoçados.
Essa orientação deve ser dada.
Alimentos muito açucarados podem gerar diarreia osmótica, piorando o quadro do paciente.
B. Deve-se preferir comidas saudáveis constipantes: maça, banana, goiaba...
Essa orientação deve ser dada.
Frutas constipantes podem ser oferecidas para crianças e é importante evitar frutas laxativas como mamão, laranja, ameixa...
C. A criança não deve voltar aos seus hábitos alimentares durante esse período, dando preferência para a alimentação com sopas e chás.
Muito bem!
A criança deve retonar aos seus hábitos alimentares o mais rápido possível, visto que isso ajuda a prevenir de desnutrição.
D. A hidratação deve ser estimulada toda vez que houver defecação e vômito pela criança.
Essa orientação deve ser dada.
A hidratação deve ocorrer realmente em todos os episódios de vômitos e diarreicos, idealmente para crianças entre 1 a 10 anos a quantidade ingerida deve ser de 100-200 ml.
E. A mãe deve buscar ajuda médica caso ocorra piora do quadro: febre, pouca urina, choro sem lágrima, muita sede, recusa alimentar, sangue nas fezes, aumento da frequência dos vômitos e das diarreias, prostração.
Essa orientação deve ser dada.
O médico deve alertar a mãe sobre sinais de desidratação ou piora do quadro.
Finalmente acabou! Apesar de ser um tema simples tenho certeza que te fez pensar bastante! Beijos e até a próxima!
REFERÊNCIAS:
DANI R. Gastroenterologia Essencial. Editora Guanabara Koogan. 4ª Edição. Capítulo 3 – Diarreia Aguda e Crônica. P 26-39. 2011.
LOPES AC. Tratado de Clínica Médica. Editora Roca. 2ª Edição. Volume I. Seção 6 – Doenças Gastrointestinais. Capítulo 74 – Intestinos Delgado e Grosso. Doenças Gastrointestinais. Página 959-970. 2009.
SBP. Diarreia aguda: diagnóstico e tratamento. Guia Prático de Atualização: Departamento Científico de Gastroenterologia. Nº 1. 2017.
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